segunda-feira, 23 de abril de 2012

Hoje é dia de Jorge, Ogum e El Khidir

Hoje é dia de Jorge, aquele que nasceu na Capadócia. Fogos de artifícios espoucam pela madrugada, me assustam, mas recupero-me e vejo no céu a festa de Jorge. Porque hoje é dia de um ser de amor, um ser que veio ao mundo pela paz, Jorge.
Chamado de São Jorge pelos católicos, o bom guerreiro que enfrentou o dragão da maldade, o homem de Deus que salvou a donzela, detém uma tradição tão vasta que o aproxima de vários povos do mundo inteiro. Querem ter uma idéia? Na Síria, por exemplo, Jorge é reverenciado como o El Khidir.
El Khidir, o santo de turbante verde que só se apresenta aos que ainda conservam a pureza no coração, aos que estendem sua mão para os mais necessitados. 
Nas religiões afro-brasileiras, ele é sincretizado como Ogum, um guerreiro destemido de espada em punho, montado no seu cavalo branco, percorrendo estradas e socorrendo os que são perseguidos por inimigos cruéis, fechando seus corpos, impedindo que penetre neles os olhos do mal, os chamados olhos grandes dos perversos e invejosos.
Em cada casa humilde, em cada estabelecimento comercial, principalmente nos pequenos bares, os chamados pés sujos, há uma imagem de São Jorge com uma lâmpada vermelha, luzindo de forma perene.
Fernandinha Abreu canta a oração de São Jorge. Salve, Salve, Jorge!

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Palavras boas . Palavras más

Ou você escreve certo, ou escreve errado, ou você é bom naquilo que faz, ou você não sabe lhufas. É assim mesmo que a banda toca? Ainda vivemos sob o signo do Não, da castração. Ou tu tem estilo, meu chapinha, ou não tem. Millôr Fernandes gritava em todos os seus artigos: "Enfim, um escritor sem estilo!" Cortou os rótulos do pseudo intelectualismo e chegou ao topo da montanha. E lá, há de ficar para sempre, mas não como uma estátua de mármore, ficará como exemplo vivo, sarcástico, debochado, mordaz, crítico dos críticos, sem o fardo e o fardão dos acadêmicos e imortais.
Uma topada e o dedão machucado te faz explodir num sonoro palavrão. Como desabafar a dor sem um palavrão?
Quando os mestres filólogos encontraram  a raiz da palavra mais cara ao ser humano, Mãe, "viram" um homem desesperado clamando pelo aconchego da sua mãezinha. Terna palavra essa. Depois, veio o termo Água: o homem sedento no deserto queria matar sua sede, mas não a matou, outras sedes e fomes viriam perturbá-lo através dos tempos.
O latim vulgar era vulgar mesmo, o povão, dito inculto, na sua avassaladora sabedoria, o impôs sobre o esnobismo do latim culto, apenas escrito, aquele que só os sábios de narizes empinados guardavam a sete chaves, por essas e outras, perdeu-se nas areias do tempo, bem feito! Para nossa sorte, vulgarizamos o latim, mas os gramáticos não gostaram nem um pouquinho dessa história. Vida que segue! Deixemos os gramáticos na sua "ilha da fantasia", eles precisam sobreviver.
Palavras como matar, trair, ferir, falsear, torturar, transar, invejar, ficaram estigmatizadas como sujas.
"Quero matar (acabar) com o vício de fumar!"
Pronto, matar virou palavra boa, limpa. Mas quando o psicopata assassino planeja aniquilar sua vítima, ele pensa: "Vou matar esse cara com requintes de crueldade..."
Puxa, a coisa aí já ficou feia, né?
Palavras, metalinguagem, pensamentos implícitos, o inconsciente coletivo, a psicogenética, os neologismos, a neurolinguística, o falar "errado" dos deserdados, tudo, tudinho nos servem como ferramentas nessa ânsia, nessa Babel de ensaios e erros em que enveredamos quando tentamos transmitir ao outro um pouco das nossas impressões. 
Impressões, apenas impressões, pois a Palavra Sagrada dos deuses, a Palavra impronunciável permanecerá oculta.
Dalida e Alain Delon dialogam musicalmente em Parole, Parole, palavra que significa "palavra" em língua italiana. Muito legal! Percam - ou ganhem - dois minutinhos para escutá-los.
"Última Flor do Lácio
Inculta e bela
És, a um tempo,
Esplendor e sepultura..."
Acho que cabe aqui invocar o espírito do bom parnasiano (qual foi o chato que rotulou assim o grande Poeta?) Olavo Bilac...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Formiguinhas sem asas

Vez por outra, Armandito dava umas festinhas de arromba no seu apê. Terno branco, cabelo empapado de gel, até que ficava apresentável, mas não conseguia disfarçar seu complexo de inferioridade que o infernizava sem dó nem piedade: era feio. Magricela, olhos projetados das órbitas e aquela boca enorme de dentes bem separados e gastos pelo vício de fumar.Tantas deformidades não o ajudavam em nada na sua esquisitíssima imagem. Contudo, era casado com uma das mais cobiçadas beldades da localidade, e desse insólito matrimônio, nascera a sua "princesinha", assim tratava a sua filha única que, tendo puxado à mãe, herdara da mesma avantajados dotes de feminilidade. Eram as boazudas do Armandito, assim diziam as temíveis más línguas. Quem consegue se livrar delas nesse mundo?
Voltemos às suas festinhas onde, pra começo de conversa e antes dos comes e bebes, o pobre homem já lançava à turma ali reunida um recadinho musical: "Formiga que quer se perder cria asa..." O clima pesava de início, mas depois, ora, ninguém era de ferro e a descontração vinha na mesma proporção em que as caipirinhas, cervejas e whiskies com guaraná desciam goelas abaixo dos sedentos convidados.
Ocorria, lá pela metade dos folguedos, um certo fenônemo que sempre inquietava a alma já por demais inquieta do dono da casa. Dona Rosália, a mulher e Nicinha, a filha, desapareciam por completo da sua vista já turvada pelo álcool e vexame.
Armandito, transpirando raiva e humilhação por todos os poros, não se dava por vencido. Sacava do lenço de seda amarelo e enxugava a testa, gesto esse que não passava desapercebido aos que o tratavam com sarcasmo e hipocrisia. Olhares arrevezados eram trocados daqui e dali mas, fazer o que? Com asas ou sem, as formiguinhas voavam em direção a um outro formigueiro de local ignorado, onde, provavelmente, eram aguardadas por formigões gulosos, insaciáveis.
A festa, ainda mais animada, continuava.
Geraldo Pereira compôs com maestria e a voz doce e afinada de Zizi Possi canta: Escurinha.