quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Pisca pisca de Natal

Aconteceu em um tempo em que pinheirinho de Natal ainda era árvore de verdade, com direito à fotossíntese e coisas desse jaez. Pois é, hoje tudo está  bem diferente. Vamos em frente porque atrás vem gente.
O pai abria a caixa mágica e retirava dali um fio contendo miríades de estrelinhas coloridas. Segundos depois, tudo começava a piscar e tremeluzir em delicados tons de azuis, verdes, vermelhos e até aquelas cores que a nossa fertilíssima imaginação inventava. Sentados naquele piso bem limpo da sala, nós, crianças, éramos as únicas que não piscavam. Lábios entreabertos e corações acelerados, apenas nos encantávamos com tamanha magia.
Coisa para rir, ou para chorar? Emoções que se traduzem numa única e maior emoção: uma enorme saudade dos inocentes natais de uma infância simples, gostosa, despretensiosa.
Oh, tempo cruel e caprichoso! Devolva-me, por favor, aquele pisca pisca de Natal. Não, não, prefiro que me tragas de volta meus pais, minha família reunida, meus pequeninos irmãos. Mesmo sabendo da impossibilidade desse pedido, sempre será essa a minha eterna e única petição.Quero sentir a alegria retornar ao meu triste coração, de qualquer maneira. Dá um jeito aí, Papai Noel!
Feliz e doce Natal, amigos!
Um 2013  belo e com muitas mudanças positivas!

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Uma alagoana em Salvador


Ouricuri, coquinho comestível que se rompe em duas metades iguais. Na linguagem dos índios e cablocos alagoanos quer dizer, Pariconha, cidadezinha sertaneja com  pouco mais de uma década de independência. Essa é a minha distante aldeia natal. É isso aí, nasci em Alagoas. Em eras passadas, dançar "o coco" era coisa só de homem e mulher solteira. Meu avô foi o mais reconhecido dançarino de coco de sua época. Ao morrer, só disse dois nomes de mulheres: Florence e Zabelê, suas fiéis parceiras de dança, e talvez de amores proibidos.
A moça criada no Rio, desconhece quase tudo que a rodeia e se inebria com os verdes roçados de doces melancias que serpenteiam caatinga adentro. Precisa reencontrar suas origens e pisa fundo no acelerador do jipe que sobe pelo serrotinho acima onde seus velhos e queridos avós construíram a casa branca de pedras. Salta e abre o portão de madeira que ao ranger, demonstra um queixume pelo abandono e a espera pelos longos anos sem carinho. Cômodos escuros e vazios. Não há como evitar as lágrimas...
As férias estão por terminar, mas a Rio-Bahia nos atrai e o mesmo jipão põe-se a rodar pela madrugada, ao encontro das luzes de Jequié. Daí para Salvador, é um pulo.
Baianinhas de rendas alvas ao sol, estendem seus tabuleiros de acarajés e outros quitutes pelas escadarias do Bonfim. Fitinhas coloridas, balangandãs e lembrancinhas balouçam com o impulso da brisa baiana. Alguém puxa-nos delicadamente pelo braço e nos segreda que necessário se faz que recebamos as devidas bênçãos dos Orixás, mas só depois  de rezarmos uma missa ao Senhor do Bonfim, terra amiga e gostosa do sincretismo é essa primeira capital do Brasil.Nunca vou te esquecer, Bahia.

De volta à pensão familiar, um rapaz de camisa aberta, pondo à mostra seu másculo peito moreno, abraça a cintura do seu violão, deixando que a noite se escoasse bem dentro de mim no sem fim de Jorge Amado, Caymmi, João Gilberto,  Caetano, Gil, Gal e tantos, tantos outros.

PS: Volto antes do Natal, tchau, tchau!

Mil e um beijinhos procês, e provem aí os coquinhos tenros do ouricurizeiro. Pode crer, nunca houve um sabor igual.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Poeminha do pastel de queijo


Se você vai se amarrar em degustar caviar

Se você quer mergulhar no vermelhão

Do molho do macarrão

Tudo certo! Tudo bom!

Coma lá o que quiser

E puder...

Eu, por minha vez,

Sou mais o popular pastel de queijo

Quentinho se derretendo

Ao calor da minha boca

E por ter-me sido  ofertado

Pelo meu amor querido

Percorre bem aos pouquinhos

Os escaninhos desse meu 

Simples coração

Sem frescura

Pé no chão





sábado, 29 de setembro de 2012

A casa dos outros é melhor!

Quem sabe, aquelas reminiscências da infância, de brincar e curtir a casa dos coleguinhas, tenham uma razão mais profunda de ser?
Olhemos lá para trás, no alvorecer da humanidade, tribos nômades, as caravanas da rota da seda, e até os nossos indígenas, todos em constante mudança, todos sem fincar pé, sem criar limo na pedra.
Será que eles é que eram os atrasados, e nós, apenas nós, prisioneiros em condomínios fechados, os evoluídos?
O arquiteto, humanista e grande pensador, Sérgio Bernardes, com seus tantos milhares de projetos inteligentissimos, fez-me parar pra pensar por muitos anos em apenas um deles. Sua proposta era simples e (ainda) revolucionária: a  troca de residências. Se você precisa se mudar de casa e alguém em outro lugar do planeta também, troquem de casa. Você vem pra minha, eu vou pra sua. Não é fácil? Você pensa assim? Não pensa?
Veja, a questão aqui não é só exterior e materialista, tudo pode ser e deveria ser resumido numa postura de confiança e respeito pelo outro. Não basta ir no cartório e firmar um título de propriedade ou um contrato qualquer, mudemos por dentro e mudaremos por fora. Sendo assim, todas as outras coisas se resolverão a contento. Isso, a meu ver, é que é ser moderno, o resto é enganação e individualismo no mais alto grau. Aliás, o nosso individualismo e egoísmo estão nos levando por caminhos cada vez mais desastrosos.
A palavra moderno, trouxe-me à mente a lembrança do gênio criativo de Chaplin que, ao levar para o cinema Tempos Modernos, tornou-se o pioneiro nessa idéia ao colocar um casal apaixonado, mas pobre, dentro de um shopping de luxo, onde ambos por uma noite apenas, absorveram dali todo o proveito de uma vida confortável e digna que jamais teriam pela frente. Viva o eterno Carlitos!
El Habitante Incierto do jovem diretor, Guillem Morales, e Casa Vazia do magistral coreano, Ki-duk Kim, chegaram agora para ampliar e dar força, pelo menos na ficção, de que o impossível pode e deve ser tentado.
Afinal, meus amigos, a única certeza que temos nessa vida é da impermanência das coisas.
"Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada..." Só para não deixar de citar nosso poetinha, Vinícius de Moraes em Vinícius para Crianças, o álbum de músicas infantis mais bonito que já conheci.
E agora, posso ir na sua casa?

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Penélope das ruas

Ônibus lotado, setembro chegou, o calor dos corpos, suores, desodorantes no ar, cheiro de gente. Da janela, viam-se pequenos jardins onde minúsculas flores despertavam nossos sentidos com cores primaveris. Breve namoro com a natureza no caos da cidade veloz, feroz.
Vestido de tricô verde-claro, artesanal, ponto a ponto, ela trazia em suas robustas e calosas mãos, agulhas de tricô que se movimentavam magicamente, hipnoticamente céleres.
Os atropelos do veículo não alteravam o seu ânimo, tranquila estava, sentou-se ao meu lado.
Chegou o ponto final e desceu. Ainda a vejo parada na rua, Um pouco de verde na dureza cinzenta do asfalto, sol sobre sua cabeça de fios prateados. Novelo vivo de lã humana, tecelã dos nadas.
Penélope das ruas, anônima e solitária. Perdeu-se do meu olhar.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Você sabe o que andam fazendo nossos vizinhos latino americanos?

Cinema, pra variar. E dos bons!
Tem sido uma atitude imperdoável para nós, brasileiros, ao longo de tantas décadas, ficarmos nessa atitude burra e esquizofrênica de ignorarmos os costumes, a vida e, principalmente, a cultura latino americana. Aqueles que gostam de simplificar as coisas, dirão que tudo se deve à nossa colonização portuguesa. Nada disso, sempre houve uma atitude, no mínimo, perversa em relação ao tratamento que damos aos povos que vivem coladinhos às nossas fronteiras. Bem, mas não vou elaborar aqui, a essa altura do campeonato, nenhuma tese sócio-cultural.
Voltemos às telas do cinema, e acompanhem comigo esses breves toques cinematógraficos - têm que ser breves, pois o que já assisti de cinema sul americano não caberia nem aqui, nem em mais dez resenhas seguidas.
Sabem quantos anos o nosso sofrido Paraguai ficou sem fazer cinema? Uns trinta e tantos anos, é brincadeira? Não, não tem nenhuma brincadeira nisso. Na verdade, nada tem sido fácil para os paraguaios desde aquela "guerrinha" em que o Brasil aniquilou sua florescente economia e trucidou quase toda a sua população civil. Quando ouço falar em guerra do Paraguai só sinto vergonha. Aquilo foi uma covardia histórica, pode crer!
Hamaca Paraguaya (Hamaca quer dizer, em guarani, rede de dormir) é um filmaço que dá de dez a zero em muita coisa que passa por aí com falsos requintes de cultura. Um trabalho simples, sem pirotecnias ou efeitos especiais retumbantes . Apenas um casal de idosos que vive isolado num sítio modesto, muito pobre e à espera do único filho que foi levado para a guerra, e nunca mais voltou. Um lugar onde só se espera por uma chuva benfazeja que nunca vem, mas no final da história, ouve-se uma trovoada, ou seja, a esperança da chuva que umidifica a terra e faz  brotarem as sementes dos sonhos do povo paraguaio em dias melhores.
 Em termos de filmes colombianos, temos dezenas de boas películas, mas o "Dog Eat Dog" (a tradução literal seria Cão Comendo Cão,  mas ainda não há um título definitivo) tem um roteiro fascinante, sendo uma espécie de mistura psicológica, aliada a  uma dose na conta certa de violência real e crua, mas sem cair no chavão da velha historia do tráfico de drogas que vivem a impingir à nação colombiana. Uma hipocrisia, já que sabemos de cor e salteado que o vício das drogas ilícitas - e também das lícitas - circula de ponta a ponta do planeta e, com muito mais frequência nos países ditos civilizados. Legal mesmo! Podem ver sem susto.
E os argentinos? Ah, esses então, não perdem tempo. Eles vão desde às fortes denúncias aos regimes totalitários, passando também por temas nunca dantes explorados, como por exemplo, o hermafroditsimo. Destacamos aqui a ótima atuação de Ricardo Darin, um ator do porte dos melhores do cinema internacional. Imbatível, esse Darin!
Agora, rumo ao Uruguai com "El Baño del Papa" (O Banheiro do Papa). Bem, como costumamos dizer por aqui, seria cômico se não fosse trágico. Uma pequena cidade do Uruguai aguarda e se prepara para a vinda do Papa, mas nem tudo sai como se prevê. Vale a pena parar para ver!
Há ainda a incrível biografia de Violeta Parra, desde a sua infância com um pai alcoólatra que só lhe deixou de herança a miséria e um violão,até o seu suicídio. Filme muito bem dirigido pelo diretor chileno, Andrés Wood, Violeta Parra foi para o céu é um primor em tudo, desde os cenários andinos, ao desempenho dos seus atores. Do mesmo diretor, temos ainda o "Machuca", um menino que sofre (e como sofre!) o terror da implantação da ditadura chilena. Vamos ver? Vamos sair da mesmice do nosso mundinho de faz de conta?
Gente, vou parando por aqui, mas não posso deixar de fazer uma "certa provocação" aos nossos heróicos cineastas brasileiros: amigos, aprendam a fazer cinema com os nossos vizinhos.
Tô indo nessa!

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Dinah, o rádio e a toalha de crochê

Cronista do cotidiano, sua voz pausada expandia-se das válvulas do rádio, insinuava-se pelos interstícios da toalha branca de crochê, percorria paredes, teto e espraiava-se nos tacos de madeira encerados do piso.
Dinah Silveira de Queiroz falava desde o homem simples na fila do ônibus até a babá namorando no parque enquanto balançava o carrinho de bebê. Porém, num dia qualquer do passado, colocaram um aparelho de tela cinzenta no lugar do velho e amigo rádio. Dali, surgiu a imagem de uma senhora elegante, de cabelos curtos, vestida de negro e uma bolsa idem sobre os joelhos. A escritora começava a ser entrevistada. Seu semblante era belo, mas havia uma certa estranheza naquele rosto impassível, dizem que Dinah tinha "uma beleza semita". No rádio era uma, na TV era contida, não demonstrava nenhum traço de emoção. Apenas seus lábios finos moviam-se. Mesmo assim, sua mensagem era interessante e inspirada, pois discorria com intimidade sobre seus personagens e, em dado momento, deixou escapar que os mesmos a visitavam em sonhos com cenário  todo colorido e detalhado. Nada demais para uma das pioneiras da ficção científica no Brasil, sem contar suas incursões no gênero realismo fantástico que também a fascinava. Hoje em dia, poderíamos especular se ela sería médium ou paranormal. Aliás, particularmente, acredito que todo artista, poeta e escritor o seja, sem sombra de dúvida. O próprio Fernando Pessoa cansou de falar nessas coisas nos seus magníficos poemas. Bem, mas isso é uma discussão à parte.
Inesquecível criadora, pelo menos, dois dos seus romances foram fenômenos de vendas e   adaptações na TV e cinema: Floradas na Serra e A Muralha.
E pensar que essa notável dama da nossa literatura já fez cem anos em 2011, mesmo já tendo falecido em 1982, aos setenta e um anos de idade!Quem se lembra? Ou melhor, quem procura relembrar a luta dessa mulher e intelectual de escol para nos legar essa obra imensamente diversificada?
Quanta falta fazes, Dinah! Saudade do rádio, do crochê, saudade também de mim.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Labaredas de Junho a Julho


Não, não é preciso ser religioso. Apenas venha, achegue-se a essas barraquinhas de cocadas, pudins, pamonhas, pés-de-moleque que os nossos ambulantes armam com carinho para melhor servirem ao povo que participa dos festejos juninos e julinos. Vale a pena quebrar aquela dieta chata e cairmos de boca nos quitutes ali expostos, essa é "a santa gula" que nenhum santo vai condenar. Ah, com certeza, não vai, não.Não fica pesado no bolso; um real daqui, dois dali, e está completa a deliciosa refeição.
Esperem, estou avistando daqui uma moçoila loura que, em desespero de causa, lança um bilhetinho sobre a cabeça de Santo Antonio. Pode ser que o seu amor tenha sumido na poeira da saia de uma morena e, coitada da loirinha, com o coração aos pedaços, suplica ao santinho já meio careca e abraçado ao Menino Jesus, que dê um jeitinho. Será que ele vai atendê-la? Mais uma dentada na cocada e lá vem chegando São João, ardente em fagulhas e labaredas, assiste ao preparo de batatas doces, mandiocas e milhos, sendo assados no braseiro. E a "santa gula" continua com um fervor sem igual. Vamos comer antes que sejamos comidos, essa é a palavra de ordem.
Pedro, circunspecto e sóbrio, resolve acabar com a brincadeira e, todo engomado nas suas vestes alvas, toma de uma enorme chave dourada e acabou-se o que era doce.
Anarriê! Vamos formar a quadrilha! Entendam, eu falei em quadrilha no melhor dos sentidos. É bom frisar bem isso, pois nos tempos que correm...bom, deixa pra lá!
Quando eu nasci, veio um anjo torto. Peraí, isso é do Carlos, o Drummond. Retomando a palavra: quando eu nasci, uma dessas faíscas atingiu o ventre da minha mãezinha quase torrando-me o pequenino e tenro cérebro, mas meu São Joãozinho permitiu que restasse por ali umas sobras de inspiração. Por isso, hoje aqui estou, torrando a paciência do leitor que ainda, pacientemente, me lê.
Ano que vem tem mais, muito mais!
Na parte musical, vamos de Gal em Festa do Interior.Essa é pra sacudir o arraiá da blogosfera.
Olha a Bahia aí, Siba e Lúcia!!!

terça-feira, 12 de junho de 2012

Vovô, o homem invisível

Do minúsculo bolso do colete, ele sacava um papel amarfanhado, velho, gasto. Muito contrito, imbuído do fervor da fé, movia os lábios. Seus olhos, absurdamente azuis, passeavam, indo e vindo nas órbitas em perseguição às linhas mágicas já por demais decoradas e descoradas por sua imaginação fértil e madura.
Momento seguinte, lá estava o lépido velhinho, aquecendo-se no fogão à lenha, caneca fumegante de café na mão.
Vô, me conta, como aconteceu essa mágica? Pergunta o netinho mais esperto.
Qual mágica, filho? Responde ele, sem demonstrar nenhuma vontade de responder.
O sinhô tava rezando agora no oratório e agora, tá aqui tomando café com a gente. Vai, me conta!
Tomou mais um bom gole do líquido escuro e fervente quando, repentinamente, o brilho intenso do seu olhar tomou conta das nossas vidas... para sempre. 

Nota: As duas imagens usadas aqui pertencem ao grande ator sueco, Max Von Sidow, fato que, além de nos honrar muito, vem de encontro à sua indicação ao Oscar passado, embora não tenha levado o prêmio, infelizmente, pois o merecia. Ator de obra extensa e de qualidades cênicas acima da média, Von Sidow foi um dos atores mais prestigiados pelos grandes diretores, como, por exemplo, Ingmar Bergman. Nesse seu último filme, onde faz o papel de velhinho misterioso e (talvez) mudo, ele prende a nossa atenção do começo ao fim. Claro, não vou contar o filme. Vejam e reflitam por si próprios, mas aviso: não é um drama lacrimejante.
Quanto às nossas férias, foram boas. Agradeço a todos que me deram apoio  com as suas presenças e comentários.
Um beijo enorme!!!

sexta-feira, 4 de maio de 2012

As Aquarelas Vivas do João

Só quem já tentou pintar uma aquarela é que pode dizer da emoção, da euforia e também de uma pitada de dor ao manipular pincéis e paletas.
Corrigir algum traço ou cor mal distribuídos é impossível para um aquarelista. Daí, a tal pitada  de dor a que me referi acima. Um simples traço tem que ser definitivo e tudo vai ficando ali, secando rápido. Quando você menos espera, a cor surge do nada, pequeno milagre das cores.
Digo que aquarela é vida porque na vida real não há rascunho, nada pode ser refeito, nem consertado. Se não realizarmos  bem uma tarefa, bye, bye! Se acertarmos, que beleza!O coração se engalana e tudo é festa.
Uma flor não faz rascunho do seu desabrochar, ou abre suas pétalas, ou murcha. Essa é a dialética da vida, vamos aceitá-la, temos que aceitá-la. Lutar contra a lei da vida é burrice das mais grosseiras.
Um pintor de aquarelas se envolve até os ossos para concluir com êxito seu insano trabalho. Ali tem alma, tem arte e muito amor, amor estético, um íntimo prazer que só o artista experimenta.
Meu amigo, João Pinto Ferreira, é um dos mestres das aquarelas vivas mais sensíveis que conheço. A ele dedico essas poucas, mas intensas linhas. A ele agradeço a amizade e o afeto que nos une. E para informação ao público em geral, João é irmão da Graça, ou vice versa, a ordem de chegada não importa, são dois talentos que habitam entre nós e para o nosso deleite. Ele, nas Artes Plásticas. Ela, nas Letras.
Muito obrigada, amigo!
A primeira aquarela intitula-se Liquidâmbar no Outono, e a segunda é Camélia na Primavera.
Vão se deliciando aí enquanto tiro umas feriazinhas, ok?
Beijos! Eu volto!
O Fundo, beleza de música com Leila Pinheiro, traduz muito do que tentei passar, vamos ouvi-la?

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Hoje é dia de Jorge, Ogum e El Khidir

Hoje é dia de Jorge, aquele que nasceu na Capadócia. Fogos de artifícios espoucam pela madrugada, me assustam, mas recupero-me e vejo no céu a festa de Jorge. Porque hoje é dia de um ser de amor, um ser que veio ao mundo pela paz, Jorge.
Chamado de São Jorge pelos católicos, o bom guerreiro que enfrentou o dragão da maldade, o homem de Deus que salvou a donzela, detém uma tradição tão vasta que o aproxima de vários povos do mundo inteiro. Querem ter uma idéia? Na Síria, por exemplo, Jorge é reverenciado como o El Khidir.
El Khidir, o santo de turbante verde que só se apresenta aos que ainda conservam a pureza no coração, aos que estendem sua mão para os mais necessitados. 
Nas religiões afro-brasileiras, ele é sincretizado como Ogum, um guerreiro destemido de espada em punho, montado no seu cavalo branco, percorrendo estradas e socorrendo os que são perseguidos por inimigos cruéis, fechando seus corpos, impedindo que penetre neles os olhos do mal, os chamados olhos grandes dos perversos e invejosos.
Em cada casa humilde, em cada estabelecimento comercial, principalmente nos pequenos bares, os chamados pés sujos, há uma imagem de São Jorge com uma lâmpada vermelha, luzindo de forma perene.
Fernandinha Abreu canta a oração de São Jorge. Salve, Salve, Jorge!

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Palavras boas . Palavras más

Ou você escreve certo, ou escreve errado, ou você é bom naquilo que faz, ou você não sabe lhufas. É assim mesmo que a banda toca? Ainda vivemos sob o signo do Não, da castração. Ou tu tem estilo, meu chapinha, ou não tem. Millôr Fernandes gritava em todos os seus artigos: "Enfim, um escritor sem estilo!" Cortou os rótulos do pseudo intelectualismo e chegou ao topo da montanha. E lá, há de ficar para sempre, mas não como uma estátua de mármore, ficará como exemplo vivo, sarcástico, debochado, mordaz, crítico dos críticos, sem o fardo e o fardão dos acadêmicos e imortais.
Uma topada e o dedão machucado te faz explodir num sonoro palavrão. Como desabafar a dor sem um palavrão?
Quando os mestres filólogos encontraram  a raiz da palavra mais cara ao ser humano, Mãe, "viram" um homem desesperado clamando pelo aconchego da sua mãezinha. Terna palavra essa. Depois, veio o termo Água: o homem sedento no deserto queria matar sua sede, mas não a matou, outras sedes e fomes viriam perturbá-lo através dos tempos.
O latim vulgar era vulgar mesmo, o povão, dito inculto, na sua avassaladora sabedoria, o impôs sobre o esnobismo do latim culto, apenas escrito, aquele que só os sábios de narizes empinados guardavam a sete chaves, por essas e outras, perdeu-se nas areias do tempo, bem feito! Para nossa sorte, vulgarizamos o latim, mas os gramáticos não gostaram nem um pouquinho dessa história. Vida que segue! Deixemos os gramáticos na sua "ilha da fantasia", eles precisam sobreviver.
Palavras como matar, trair, ferir, falsear, torturar, transar, invejar, ficaram estigmatizadas como sujas.
"Quero matar (acabar) com o vício de fumar!"
Pronto, matar virou palavra boa, limpa. Mas quando o psicopata assassino planeja aniquilar sua vítima, ele pensa: "Vou matar esse cara com requintes de crueldade..."
Puxa, a coisa aí já ficou feia, né?
Palavras, metalinguagem, pensamentos implícitos, o inconsciente coletivo, a psicogenética, os neologismos, a neurolinguística, o falar "errado" dos deserdados, tudo, tudinho nos servem como ferramentas nessa ânsia, nessa Babel de ensaios e erros em que enveredamos quando tentamos transmitir ao outro um pouco das nossas impressões. 
Impressões, apenas impressões, pois a Palavra Sagrada dos deuses, a Palavra impronunciável permanecerá oculta.
Dalida e Alain Delon dialogam musicalmente em Parole, Parole, palavra que significa "palavra" em língua italiana. Muito legal! Percam - ou ganhem - dois minutinhos para escutá-los.
"Última Flor do Lácio
Inculta e bela
És, a um tempo,
Esplendor e sepultura..."
Acho que cabe aqui invocar o espírito do bom parnasiano (qual foi o chato que rotulou assim o grande Poeta?) Olavo Bilac...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Formiguinhas sem asas

Vez por outra, Armandito dava umas festinhas de arromba no seu apê. Terno branco, cabelo empapado de gel, até que ficava apresentável, mas não conseguia disfarçar seu complexo de inferioridade que o infernizava sem dó nem piedade: era feio. Magricela, olhos projetados das órbitas e aquela boca enorme de dentes bem separados e gastos pelo vício de fumar.Tantas deformidades não o ajudavam em nada na sua esquisitíssima imagem. Contudo, era casado com uma das mais cobiçadas beldades da localidade, e desse insólito matrimônio, nascera a sua "princesinha", assim tratava a sua filha única que, tendo puxado à mãe, herdara da mesma avantajados dotes de feminilidade. Eram as boazudas do Armandito, assim diziam as temíveis más línguas. Quem consegue se livrar delas nesse mundo?
Voltemos às suas festinhas onde, pra começo de conversa e antes dos comes e bebes, o pobre homem já lançava à turma ali reunida um recadinho musical: "Formiga que quer se perder cria asa..." O clima pesava de início, mas depois, ora, ninguém era de ferro e a descontração vinha na mesma proporção em que as caipirinhas, cervejas e whiskies com guaraná desciam goelas abaixo dos sedentos convidados.
Ocorria, lá pela metade dos folguedos, um certo fenônemo que sempre inquietava a alma já por demais inquieta do dono da casa. Dona Rosália, a mulher e Nicinha, a filha, desapareciam por completo da sua vista já turvada pelo álcool e vexame.
Armandito, transpirando raiva e humilhação por todos os poros, não se dava por vencido. Sacava do lenço de seda amarelo e enxugava a testa, gesto esse que não passava desapercebido aos que o tratavam com sarcasmo e hipocrisia. Olhares arrevezados eram trocados daqui e dali mas, fazer o que? Com asas ou sem, as formiguinhas voavam em direção a um outro formigueiro de local ignorado, onde, provavelmente, eram aguardadas por formigões gulosos, insaciáveis.
A festa, ainda mais animada, continuava.
Geraldo Pereira compôs com maestria e a voz doce e afinada de Zizi Possi canta: Escurinha.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Não sou maçã de Cézanne

Não queiram arrancar-me nacos suculentos. Pedras duras quebrarão todos os teus dentes, todos.Quando Cézanne, já muito além da loucura impressionista, dizia às suas modelos que fizessem "caras de maçãs", no mínimo, as engolia com casca e tudo. Mestre da arte da natureza morta, suas esculturas perenes já transitavam no cubismo nascente dos seus pincéis.
Passado todo esse tempo, antropófagos e devoradores de almas, continuam a mastigar suas vítimas, lançando sementes magoadas às trevas onde nada germina. Tudo é pesadelo, sombra.
No mais, entendam como quiserem!Para Lennon e McCartney, Milton Nascimento canta.

terça-feira, 6 de março de 2012

Packard, um carro fraternal

Os carros de hoje. Troca-se um carro como quem muda de camisa, sem nenhum remorso e com um ar de desapego quase inescrupuloso, e ainda há o agravante de ter que ser um carro da moda, com nome sem graça, igualzinho aos outros, sem personalidade. Vidros fumê, o senhor e a madame saem para o trabalho sem dar um bom dia para o vizinho. Afundam os corpinhos sarados no conforto do possante. Fim.
Carros de ontem. Levavam a criançada da rua para a escola, eram espaçosos e conversíveis, de preferência. O caso do Packard grená era assim.
- Vizinho, pode dar uma carona pra minha patroa que vai ao hospital ganhar neném? Nada de recusa ou cara feia e ainda tomava-se uma cervejota para a comemoração do memorável evento. Era o xixi do bebê.Final de semana na praia, com certeza. Na capota do Packard sempre havia lugar para mais um, ou mais uns, quantos coubessem. Corpos suados, cabelos soltos ao vento, liberdade sem medo do perigo. Que ato de perigo teria a audácia de rondar a nossa felicidade?
O "bichão" vermelhão deslizava pelas estradas recém pavimentadas desses brasis tão virgens e verdinhos, mas com direito às barraquinhas de frutas à beira da estrada. Não tinha assalto. Inacreditável, né?
Todo mundo cantava em altos brados com mamãe puxando o coral. Se tinha rádio? Claro que tinha, mas só para ouvir o Repórter Esso. Ninguém desafinava nos anos dourados das décadas de 40 e 50.
Paro por aqui, estou ficando saudosista demais. Afinal, só queria falar da alegria de ser fraternal, amigo, leal, essas coisas que cheiram a mofo.
NB: A história do Packard, em resumo, é bem interessante. Foi um carro que nasceu de um desafio entre dois amigos engenheiros. Packard era o sobrenome de um deles e foi ele quem o lançou a público. Era um veículo fora de linha, fabricado num pequeno galpão em Ohio, Estados Unidos.Essa pesquisa e resgate histórico foram muito gratificantes para mim que passei uma boa parte da "minha infância querida" sentadinha lá na tal capota grená, pedindo (aos berros) pro papai correr, ir fundo. Afinal, como dizia o slogan da época:
"Ou você tem um carro, ou tem um Packard!"
A musiquinha? Que musiquinha que nada, é o maestro Tom Jobim em Anos Dourados.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Meu silêncio...

Meu silêncio guarda ruídos do passado. A hora do café da manhã. Meus pais se arrumando para sair.
Na cozinha, as panelas falavam e os talheres se debatiam em sons metálicos.
Um silêncio pesado, grávido de pensamentos sem nenhum sentido.
Do presente, meu silêncio retira, aspira o ar do azul do céu e o dourado dos raios do sol das manhãs, mas com algumas nuvens movendo-se na lentidão dos ventos.
Essa boca fechada, essa mente repleta e alerta.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

De máscaras e mascarados

Retire a máscara e os vincos de tristeza dessa face, mas tome cuidado, não deixe cair no chão a velha máscara da falsa alegria, você vai precisar muito dela nos próximos dias.
Desfile seu charme pelos bailes e bares, sorridente e com o seu bem, pode ser arlequim ou pierrô, pode ser até os dois. Ninguém vai apontar nada de feio em você, tranquilidade total.
Já na quarta-feira, confetes e serpentinas irão juntar-se às suas perdidas e amarrotadas fantasias, mas as cinzas serão lançadas sobre sua cabeça, arrependimentos virão à tona.
Voltaremos a ser mascarados de cara limpa, na rotina dos dias arrastados e sem máscaras de pano, de cara limpa. Haverão contas a pagar, roupas pra lavar, filas em pé por horas e horas em bancos e supermercados, crianças e velhos pedindo esmolas sem que você os possa confortar, notícias catastróficas nas grandes cidades, secas e inundações.
Esqueça!
Por enquanto, divirta-se!
Pule ao som das velhas marchinhas.
Afinal, é carnaval...
Máscara Negra com Zé Kéti! Essa daí marcou demais os meus jovens e belos bailes de carnaval de salão.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Retrato em sépia

Um batizado simples na igreja da matriz de uma criança que não chegou a vingar. Semanas depois, a coqueluche viria a tragar aquela frágil vida.
O que sobrou? O que ficou?
Ficou uma foto gasta que jazia no fundo escuro do meu passado. Olhos e mãos ávidas gritaram forte e puseram-se numa tentativa ensandecida de recuperar detalhes, retalhos de um tempo perdido numa colagem fervorosa e paciente, mas até que valeu a pena, e eu tentei, tropeçando daqui e dali, resgatei os "mortos" mais vivos da minha vida: irmã, pai e mãe. Quando o rostinho desfocado da menina surgiu do nada, eu quis logo que fosse em sépia, uma tonalidade com aquele ar antigo e elegante. A irmãzinha que não conheci estava ali, aconchegada nos braços da minha mãe. E eu, no colinho do papai, satisfeita da vida por um breve momento.Tudo passa, sabemos, tudo é efêmero, temos a certeza disso, mas recordar é viver. Vocês não concordam comigo?
Parafraseando Drummond: "De tudo fica um pouco."
Bem, já que falamos em retrato, vou chamar aqui o nosso Chico Buarque para nos embalar com Retrato em Branco e Preto.
Canta pra nós, Chico!

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Stalker - O Caminhante de Tarkovsky

Um homem simples, um segredo. Um lugar proibido e muitos obstáculos, mas só ele, o caminhante, poderá conduzir "os seus amigos" até lá, um cientista e um poeta. Para ele, conduzir os amigos à verdade das verdades era mais que um dever, tornara-se uma missão sublime.
O lugar (The Zone) possui vida e regras próprias de conduta e, aos poucos, o cenário vai mudando. As cores, antes sombrias, vão-se cambiando, tudo clareando até ficarem límpidas como a água que, sem dúvida, é o elemento mais presente nesse trabalho ímpar de Tarkovsky. O sol vem depois e com a sua luz liberta o homem e a natureza. Aqui, os arbustos estão em plena florescência e o stalker abraça a relva em flor, deita-se sobre a terra e parece contactar-se com a alma telúrica. Não esperemos efeitos especiais de uma obra como essa que por si só desafia a todos pela sua profundidade filosófica, metafísica e também espiritual.
Cientista e poeta se entrechocam até fisicamente, são os egos humanos em conflito mortal, mas não se matam e o stalker os separa. Uma espécie de acordo tácito se realiza sem precisar ser explicitado.
Simbolismos em cima de simbolismos,camadas e mais camadas de subtextos, metalinguagens e metáforas. Quem tiver a ventura de assistir Stalker o interpretará de acordo com o seu material inconsciente ou com a sua bagagem de vida, "pense o que quiser", poderia ter dito Tarkovsky. Daí, esse filme ter marcado tanto o seu autor quanto quem o assiste. Stalker perpetuou-se e transformou-se num enigma de infinitas vertentes. Não tentemos explicar o inexplicável. "O que vocês querem de mim?"
"Por que querem me devorar?"
Essas são apenas duas das questões que o caminhante nos propõe. Não nos esqueçamos da esfinge desafiando Édipo: "Decifra-me ou te devoro!"
Andrei Tarkovsky - 1932/1986...
Ithamara Koorax, quem se lembra? Voz possante, afinada e presença de palco avassaladoramente bela ao interpretar Se eu Quiser Falar com Deus.
Vamos, vamos ouvi-la...