segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

RENNÉ, PIERRE E... DALILA

CONTO> DEDICADO AOS QUE SOFREM PRECONCEITOS NAS SUAS PREFERÊNCIAS AFETIVAS...


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Garçonete maluquinha, Dalila não parava em emprego. Não parava até que foi bater na porta de uma casa noturna, no gueto mais "mal afamado" da cidade. Lugar maldito, bastante execrado pelas "pessoas de bem", pelas famílias de tradição moral ilibada. Mas, que diabos! A moça precisava sobreviver. O lugar tinha lá seu charme; as cores eram berrantes, mas não destoavam entre si, havia mesmo um certo bom gosto; os espelhos e brilhos pontificavam por ali, aliás muitos brilhos, daí o apelido popular de "inferninho da purpurina". Seus proprietários e sócios, Renné e Pierre eram de origem européia, já aclimatados no Brasil. Eram dez horas da manhã e lá estavam à espera da pessoa que lhes telefonara no dia anterior se anunciando para a entrevista. Renné, ao contrário de Pierre, demonstrava mais uma natureza descontraída, porém não era do tipo fútil. Sua linguagem se mostrava determinada, não se preocupava muito em escolher as palavras, não chegava a ser agressivo, apenas falava sem pensar. Seu aspecto físico daria um capítulo à parte: olhos claros, cílios espessos e vasta cabeleira até os ombros, era extravagante, sim, mas não era feio, exuberantemente belo, havia quem gostasse! Pierre, completamente o oposto do amigo em todos os sentidos. Aparentava mais maturidade que o primeiro, embora fosse um pouco mais jovem. Cabelos naturalmente claros, curtos, aparência mais elegante e roupas de estilo clássico. Seu temperamento era reservado, observador, arguto, conhecia muito bem os meandros da difícil natureza humana. Fora psicólogo, entretanto, as Artes Plásticas o haviam transviado do caminho que traçara sua tradicional família. Bem, caro leitor, feitas as devidas descrições de praxe, voltemos àquela manhã de verão quando Renné e Pierre resolveram contratar aquela menina. Manhã de ressaca, cansaço, daí um certo desinteresse por aquela adolescente magricela, porém dona de um sorriso contagiante. Sorriso esse que não surtira o mínimo efeito no âmago dos notívagos futuros patrões; esgotados por suas noitadas. De tão motivada que estava, ela mal prestava atenção nas explicações e detalhes do seu novo emprego. Encerrada a rápida entrevista, Dalila, simplesmente, pegou da vassoura, balde e espanador saindo a limpar tudo que encontrava pela frente e o fazia com energia e muita disposição. Nunca vira um ambiente como aquele e tudo ali lhe trazia deslumbramento, principalmente os quadros e painéis das paredes em locais estratégicos.A maior parte deles sugeriam carícias entre casais de ambos os sexos, homossexuais, enfim. Nada naqueles quadros indicava pecado ou culpa, eram deuses do Olimpo se amando, eram ninfas nos bosques se tocando, nuas."- Os seres humanos são muito estranhos", pensou Dalila, espanando também esse pensamento. Afinal, não estava ali para formar opiniões sobre o que quer que fosse.E lá se foi, cantarolando velhas canções que a mãe lhe ensinara, cuidando das esculturas sensuais, esfregando os mármores, varrendo o chão, encerando... O dia transcorrera normal; pessoas entrando e saindo do bar, absorvidos em beber e conversar, sendo que, à medida em que a luz do sol refluía, lentamente, o luar, a noite, ia trazendo mudanças, tais como as estranhas luzes surgidas do interior de refletores escondidos: luzes fortes que se cruzavam, ora vermelhas ,amarelas, violetas... transformações maiores se davam no comportamento da clientela da Boate " PINK FOREVER ". Casais que ali adentravam começavam a assumir outros comportamentos; homens musculosos com tatuagens pelo corpo juntavam-se em grupos e , por vezes, se acariciavam, trocavam beijos na boca, alguns sentavam-se nas pernas uns dos outros.

Eram homossexuais, talvez até bissexuais... e tudo acontecia sob o beneplácito dos proprietários, pois aquele espaço, sem dúvida alguma, havia sido criado para aqueles que, socialmente discriminados, não teriam onde, com tranquilidade e desenvoltura exercerem seu direito a uma espécie de sentimento condenado socialmente. Surpresa e boquiaberta, Dalila tentava passar pela pequena multidão carregando uma imensa bandeja de bebidas; foi então que deparou-se com os patrões, elegantemente trajados nos seus ternos claros. Mostravam-se outros, aparentavam até serem mais jovens, exalando dos seus corpos fragrâncias raras, almiscaradas; estavam sensuais e cativantes com seus fregueses que tratavam como amigos. O trabalho prosseguia e a pobre garçonete passou a aceitar tudo com imensa naturalidade, não só pelo instinto de sobrevivência, também por entender a situação daquela gente que, de uma forma ou de outra, não tinha culpa por serem assim - Dalila, embora humilde, possuía uma boa instrução e discernimento - e ela, como mulher, teria encontrado "facilidades" na vida? Seis meses já se passaram e seu dia a dia estava transcorrendo bem: trabalhava, estudava pela manhã e ia dormir num dos cômodos cedido pelos patrões, quarto confortável, onde lia e ouvia músicas, pois, fora criada pela mãe, cantora semi-profissional que lhe inculcara o gosto tanto pelo clássico como pelo popular. Certo final de noite, quando a casa já se esvaziara, Renné toca-lhe amistosamente o braço e pede-lhe que o acompanhe. Seguem por um corredor estreito nos fundos do estabelecimento, não muito longo, mas o suficiente para que pensamentos sombrios começassem a passar-lhe pela cabeça:- O que vão querer de mim agora? Serei despedida? Abuso sexual? Sentia-se indefesa, como reagiria? Continuou silenciosa a seguir Renné que estancou em frente a uma porta de madeira bem entalhada e pesada onde o segundo chefe (Pierre) já os aguardava também.O mesmo puxou de uma chave no bolso e abriu a pesada porta que rangeu de imediato.Um cômodo espaçoso surgia ali numa semi-escuridão.Sombras de "pessoas paralisadas" e um mobiliário escuro surgiram para os olhos arregalados de assombro da funcionária. Mas, um estalido do interruptor sendo ligado pelas mãos de Pierre lançou luz sobre aquele novo mundo que se expunha aos olhos, agora, admirados de Dalila: estava ali, ao alcance de sua vista, uma série de manequins (por certo as sombras humanas que divisara); mobílias, a maior parte armários e cômodas; lindas penteadeiras com muitos perfumes e maquiagens sobre as mesmas, além, de um fio de metal contendo cabides de roupas, as mais finas e bem tratadas possíveis.Tudo, mas, tudo ali estava muito limpo, organizado, nada fora de ordem ou destoando.Renné, mais falastrão, quebrou o silêncio: - Aqui está, minha querida, o nosso "laboratório de transformações", seja benvinda e sorria com gosto ao falar, deixando à mostra dentes grandes, claros, bem cuidados. Pierre, bastante reservado, apenas observava as reações de Dalila demonstrando também bom humor e contentamento, sendo agora a sua vez de tomar a palavra: - Diga-nos, Dalila, você está disposta a subir outro degrau em sua vida? Mas, nossa heroína parecia estar ausente, ou melhor, com a sua atenção voltada para "algo" mais interessante...uma enorme e variada coleção de perucas.Repentinamente, uma frase incoerente lhe sai da garganta: - Eu sempre sonhei com elas...e essas aqui são esplêndidas! Parou de falar e passou a viver um monólogo interior ( com elas eu poderia ser várias mulheres: seria loura, ruiva, morena, moderna, sofisticada...), mas, de repente, se deu conta de si e viu os olhos dos seus dois interlocutores cravados nos seus e respondeu, finalmente, sem grandes relutâncias: - Sim,preciso de mudanças na minha vida, o que os senhores me propõem? E ambos, quase simultaneamente, responderam: -Você será nossa nova Estrela na boate, será nossa cantora.E, sem mais delongas, Renné saiu em busca de toda a sorte de vestuários, maquiagens e, obviamente, das perucas que tanto encantaram a nova artista da casa.Já não estava ali mais a empregadinha e sim uma sedutora mulher de olhos brilhantes de lábios rubros e pele corada, macia; vestiram-na com vários vestidos, echarpes,chapéus e sapatos, sandálias altas, tornando-a uma mulher de alta estatura. O ambiente tornou-se efervescente, e agora, os três quase falavam ao mesmo tempo, entretanto, Pierre, com sua voz pausada e um leve sotaque francês fez-lhe uma explanação séria da situação: - Dalila, nós tomamos essa decisão baseados principalmente em dois aspectos:primeiro, precisávamos reformular, reciclar nosso trabalho. Pretendíamos contratar uma cantora conhecida, famosa e, por fim, chegamos à simples conclusão de que já tínhamos bem próxima a nós, você que passava as tardes cantando enquanto trabalhava; sua voz, melodiosa e afinada chamou a nossa atenção e depois de muito debatermos, eu e Renné concluímos por investirmos, jogarmos todas as nossas fichas em você. Os ensaios começaram e duravam horas a fio. Na maior parte eram músicas internacionais que se adequavam mais ao ambiente e à voz aveludada da moça.A propaganda de que Renné e Pierre descobriram uma nova beldade artística se espalhara como um rastilho de pólvora pela cidade, melhor ainda, indo além dos limites da mesma. Dalila não existia mais como antes, agora chamava-se Dally Mills e cantava como nunca para um público cada vez mais eclético, a classe média, os ricos, os preconceituosos, todos se renderam à beleza e talento da artista que exibia a cada novo espetáculo suas belas e extravagantes perucas.Dally Mills era múltipla, e mostrava-se por vezes como uma negra do Harlem, entoando seus Blues ou uma cantora de Bossa-nova, de franjinha à Nara Leão, cantando baixinho com um violão e um banquinho.Embora seus contratos fossem mais do que gratificantes, financeiramente falando, ela não deixara de ser a pessoa simples e alegre que sempre fora. Por trás do palco era a mesma Dalila de sempre e só não fazia mais faxinas porque seus amigos - e patrões - Renné e Pierre não lhe permitiam. Enviava, mensalmente, cheques com boas quantias para a família no interior e, agora, tinha uma missão mais Nobre a cumprir: auxiliar seus amigos com AIDS; aqueles que, muitas vezes, ela os vira musculosos e cheios de vida e, hoje, frágeis, alquebrados, precisavam do seu conforto, não só financeiro, como emocional e ela não lhes faltava, nunca. Passados dois anos de grande sucesso, Dalila, resolveu retirar-se da vida artística, já tinha o suficiente para sobreviver com dignidade e auxiliar os seus.As belas perucas, as jóias , ficariam apenas na lembrança e fotos. Pierre e Renné protestaram em vão, não buscaram outra substituta, prosseguiram na direção da boate, mas depois desfizeram a sociedade, foram viver em separado suas próprias vidas. Pierre não a esqueceu, pelo contrário, recorda cada instante em que conviveu com carinho e respeito para com aquela pessoa e artista dedicada, sensível e, principalmente, amiga, Dalila. Pensa em revê-la, falta-lhe coragem... o tempo corre. Um estaciona carro à entrada do prédio, um senhor de óculos, vestido com discrição dirige-se ao porteiro e pede para ser anunciado a uma certa senhora. A campainha toca, uma mulher vem atendê-lo e pede-lhe que aguarde apontando-lhe uma poltrona branca. Pierre olha ao redor: estilo despojado,vasos de plantas, todos floridos, enquanto um gato de pelo curto, tigrado, se espreguiça sobre o gasto tapete. Dalila não demora muito a chegar e lhe lança o mesmo grande sorriso que da primeira vez ele não notara, mas agora, esse sorriso é tudo do que mais necessita para prosseguir vivendo. Ambos abrem os braços e se lançam no maior espetáculo da vida: O AMOR... /// THE END ///

Obs.: Esse conto não foi feito para agredir ninguém, pois a meu ver, quem está seguro de si, nada tem a temer. Não há porque ignorarmos o homossexualismo, tanto masculino como feminino, pois através da História tivemos exemplos de vida de pessoas que nos deixaram seus legados culturais a despeito de suas opções sexuais. Querem alguns exemplos? SANTOS DUMONT / OSCAR WILDE / VIRGÍNIA WOOLF/FERNANDO PESSOA...a lista é imensa, todos sabemos e ainda temos os Filósofos Gregos e os imperadores romanos. Alerto também que muitos jovens, na atualidade, chegam ao suicídio mais pela força do preconceito do que pela sua forma de viver, errada ou não, não nos cabe julgar.

QUEM VAI ATIRAR A PRIMEIRA PEDRA???
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SELINHOS:
1-DA CRISS -> HALLOWEEN
2- AMIZADE_AMIGOS
3- BLOG_DE_OURO (PRESENTES DA EVA, ISA E ANA):

4-Mais selos do Amigo Olavo:

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O SUPÉRFLUO É NECESSÁRIO



O escritor e memorialista PEDRO NAVA, sem dúvida, sabia o que estava dizendo quando declarava que "as coisas mais importantes da vida são as supérfluas". Pensei essa idéia por um certo tempo, mas não demorei muito para concordar com o exemplar Homem das Letras Nacionais que revolveu toda a sua infância em livros memoráveis.
Estão me chamando de fútil? Tem problema, não! Deixa rolar...
Na verdade, a vida sem os pequenos apegos e "inutilidades" é um negócio intolerável, difícil mesmo de suportar: filas para tudo; contas para pagar; chefes para obedecer; sapos para engolir... hummmm, difícil engolir um sapinho, né?


Como são interessantes velhas lembranças sem valor algum!
São bonequinhas que guardamos da infância, são bijus usados com as contas desgastadas e que combinam com qualquer roupa - assim pensamos - tudo bobagem...



Não, isso não é só "privilégio do sexo frágil" (frágil? Eu disse isso?), pois os moçoilos também têm as suas esquisitices e só para ilustrar: será que ninguém conhece um certo tipo de marmanjo que coleciona carrinhos de brinquedo?
Aí, lá vêm psicólogos, terapeutas de plantão e especialistas no ramo nos falar das fases, oral, anal (cruzes!) e do tal "ludismo", algo assim, de ficarmos apegados à vida infantil, ao período lúdico das brincadeiras.
Por mim, só posso encerrar com um pensamento:
GENTE, NÃO NOS LEVEMOS TÃO A SÉRIO, A VIDA PASSA!!!
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PEDRO NAVA (1903/1984)
Grande médico reumatologista - centenas de artigos médicos publicados - que afirmava ter escolhido essa especialidade por ser "a única que não matava", esse Pedro! Rs. Entre suas muitas Obras de valor inestimável para todos nós, pontificam as que mais aprecio: "Balão Cativo" e "Baú de Ossos".

PARA PENSAR (Não vai doer):
"Com dez anos subi o nosso Caminho Novo para Belo Horizonte. Já tinha provado tudo que nasce com o contato com o semelhante. Amizade, Carinho, Ódio, Rancor, Ciúme, RUDIMENTOS DE AMOR..."
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ESPAÇO IMPORTANTE QUE RESERVEI PARA OS SELOS DOS AMIGOS:

1- OLAVO: "DÚVIDAS E CERTEZAS DE UM HOMEM DE 50"


SELO_ BLOG_ DO_ OLAVO

SELO ROSE_BUD
SELO BLOG_PRA_VOCÊ_COM_CARINHO

2- ANA: "PELOS CAMINHOS DA VIDA"
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Até o próximo post supérfluo que publicarei, ou não, risosssss!